A PELE QUE HABITO


“O rosto nos identifica. Às vítimas de um incêndio, não basta salvar-lhes a vida, é necessário que tenham um rosto. Mesmo que seja a de um morto, mas um rosto com traços para poder gesticular.” Estas são as primeiras palavras do cirurgião plástico Robert, protagonizado por Antonio Banderas, no último filme dirigido por Almodóvar.
Depois de um acidente de carro em que seu corpo fica inteiramente queimado, Gal, esposa de Robert, não aceita seu corpo disforme, aquilo parece ir além de sua compreensão e suicida-se ao ver a imagem de seu rosto refletido pela primeira vez.
Ligia Amaral, professora da USP, explica que “o deficiente é a própria encarnação da assimetria, do desequilíbrio, das disfunções. Assim, sua desfiguração, (...), ameaça intrinsecamente as bases da existência do outro.” As anomalias, então, são vistas como uma fonte de perigo uma vez que estão fora de controle. E o filme todo se desenrola a partir deste fato.
Por outro lado, outro personagem não aceita o próprio corpo em decorrência de alguma anomalia, mas porque lhe é imposto um corpo, uma pele, um sexo que não lhe pertence. Este personagem é sequestrado e é submetido a uma vaginoplastia, por isso o título a “A pele que habito” e não a pele que possuo. Incríveis cenas com este personagem nos mostra a quão insólita e lamentável é esta situação de não possuir o próprio corpo.

Almodóvar explora de forma intensa estas formas de não aceitação. Como em grande parte de seus filmes, o diretor percorre um tema bastante íntimo e nos mostra o ser humano em diversos momentos de caos. Assim, nos permite enxergar com uma lupa as condições e sentimentos humanos nos seus limites e não limites de desejo e insanidade.
Nara Romero, 2012.