EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM



Ao assumir o desafio de uma educação na qual o corpo não seja considerado um acessório, subjugado à mente, mas referência essencial da complexa e indivisível estrutura humana, desde agosto de 2011, venho registrando as experiências de aprendizagem no IEFES/UFC. Os estudantes aventuram-se a experimentar corporalmente os conteúdos, por meio do multiletramento. Vale destacar, que esta experiência formativa, já inspirou uma dissertação de mestrado e gerou a produção de um documentário (BEZERRA, 2015), como ainda, instigou outra universidade brasileira a ampliar a maneira de ensinar filosofia do desporto, experiência esta, que se desdobrou numa dissertação de mestrado (NOVA, 2016). Aprender de forma encarnada e sensível, na formação profissional, potencializa a autoria e a reflexão/compreensão. 


PERCURSOS INDIVIDUAIS

VIDEO: Rayloma Lemos atualmente é estudante da Licenciatura em Educação Física na Universidade Federal do Ceará (UFC). A jovem compartilha experiências escolares e universitárias, suas reflexões sobre a inclusão de pessoas com deficiência visual. No canal do YouTube também disponibilizamos a versão com audiodescrição. 




ALGUNS REGISTROS VISUAIS

O processo avaliativo também rompe os modelos formais, os estudantes são desafiados a produzir trabalhos em diversas linguagens, inclusive performances.














RELATOS DE APRENDIZAGEM 

Alguns depoimentos de estudantes que passaram por essa disciplina



"Com os olhos vendados percebi que o mundo vai muito além do que podemos ver. Sentir a grama, o vento, ouvir as vozes e aprender a se situar sem a visão é algo mágico."

Alexsandro Melo Azevedo




"A experiência que tirei disso é que estamos tão focados em perceber as coisas ao nosso redor só com a visão, que acabamos deixando os outros sentidos de lado. Subir ou descer uma escada é muito fácil quando estamos vendo, mas se não podemos vê-la bate logo aquele desespero! Mas a partir desse desespero é que aprendemos a pensar em uma maneira de conseguir cumprir a tarefa. Já que eu não podia usar a visão, tive que usar o tato. Mesmo não enxergando percebi coisas que nunca tinha prestado atenção que existiam, a quantidade de coqueiros que existem aqui por exemplo. É bem melhor sentirmos as coisas ao nosso redor (vento, sol, grama) do que apenas enxergarmos."


Aline Costa da Silva




"Como um ser que não enxerga vê o mundo? Agora, em parte, eu sei. Um mundo quase que totalmente formado visualmente, esquece dos amigos deficientes visuais, não há preparação para proporcionar a eles, como seria, ou como realmente é o mundo."


Ana Alice




"Enquanto se está vendado você também pode “sentir” o meio externo de outras formas, reconhecendo cheiros, sons, e até mesmo o clima do ambiente. Durante o tempo que você estiver vendado, também você faz um exercício de lembrança para tentar “sacar” para onde você está indo e lembrar dos obstáculos que tem ali."
David Bruno



"Hoje pude ver o mundo com outros olhos (literalmente). Não poder enxergar, e ser guiado por outra pessoa foi no mínimo surpreendente, poder perceber elementos que talvez não percebesse se estivesse enxergando, como o barulho de uma bola ou o sistema de irrigação. Não poder enxergar me fez enxergar de um jeito diferente."

Igor Oliveira Nascimento



O sentido está na aventura de ser livre
Ser suficiente para dar passos
Mesmo sem pernas
De enxergar, mesmo sem ver
De ser simplesmente você
De você aumentar a capacidade do seu ser
De na verdade, não ser simples
Não ser homem
Não ser mulher
Não ser um deficiente
Mas sim ser um humano que luta contra os seus limites sem olhar em um espelho
Sem se considerar um aparelho
Pois só o humano pode ser julgado
Não só pelo que ele é, mas também pela capacidade do que ele pode ser.


Kayque Araújo da Rocha



Ao estar vendado o ambiente não pude ver
Mas ao me encontrar naquela situação
Outros sentidos puderam se desenvolver

Os sons se tornaram mais nítidos
E o tato mais aguçado
Pude sentir a realidade de uma forma que jamais havia imaginado

O medo do obstáculo me assustava
Mas a certeza de um guia me acalmava
Veio-me a mente o que as pessoas sempre falam
“Sem a visão não sou nada”

Mas será que ela não nos limita?
Quando tão concentrados só no que vemos
Nos esquecemos das grandes coisas que poderiam ter sido sentidas?


Larissa Souza Garcia



Estar no escuro é incrível; sentir, pensar, imaginar.
Estar totalmente interligado com seus sentidos.
Desenhar um mundo que não se vê.
Imaginar algo que se sente.
Medo de cair em algo que não se conhece.
Experimentar com outra visão o que se conhece.
Reinventar a realidade.

Guiar, mostrar uma realidade nova a alguém.
Esperar curioso a reação do outro.
Tentar fornecer uma sensação nova e prazerosa.
Ter responsabilidade de cuidar de outro ser.
Que nesse instante precisa de você.
Ela não vê, mas posso mostra-la uma nova realidade.
Para que ela sinta o que eu sinto.
Uma descoberta que ficará para sempre.
Um momento único.
Mesmo com perigos em volta, queria mostrar minha paz.
Tentar tocar o vazio de ver.
Com sentidos diferentes, um universo novo.
Um novo mundo.


Lucas Tobias de Sousa (Tobias)




"Exótico. Acredito que essa palavra resume minha experiência. Por mais que já houvesse feito, talvez, o mesmo caminho incontáveis vezes nunca tinha parado para sentir a grama ou até mesmo o vento. Por mais que devesse crer que meu colega de turma não iria me deixar bater em nenhuma parede era quase que inevitável não colocar a mão estendida frente ao corpo como se uma parede ou um buraco fosse brotar inexplicavelmente do chão. Aí é nesse momento que nos damos conta de como nos tornamos dependentes de um único sentido, talvez por ser o mais abrangente, ou o que nos deixa captar inúmeras informações ao mesmo tempo, não sei, só sei que não é uma experiência agradável perdê-lo, mesmo que por alguns minutos. Talvez, se explorarmos todos os nossos sentidos em um determinado teríamos uma visão completamente diferente."

Valeska Leandro de Souza


Já fui criança sabia? Eu era livre, vivia tudo. Até areia eu comi (rir-se).

Subia na árvore, cheirava o cachorro, sentia tudo e todos. Adorava abraçar. Mas fui crescendo e ouvindo: “menina não faz isso, parece que não tem cabeça!”. Isso para mim era muito estranho, pois minha cabeça estava exatamente onde deveria estar: no corpo! E como na história nosso tempo foi passando e os padrões foram mudando. Na minha adolescência o meu corpo o que chamavam de feio, mas eu era atleta. Só que como criança não tinha cabeça estudava muito para tentar compensar alguma forma. Nunca fui excelente em nada, meus amigos sempre eram maquinas de jogar bola, eu jogava por gostar, para ser livre, se mover! Mas pele exigência dos estudos viramos maquina, objetos. Eu era uma adolescente pequena, curiosa que gostava de estudar e escrever, meu corpo que não até era forte, mas começava a definhar sentado em uma cadeira. Eu a criança livre, curiosa e afetuosa que queria descobrir o mundo por si e não tinha medo de perguntas, virava um ser estranho que podia ser medido, dividido, categorizado e moldado, como um objeto, como a cadeira que eu sentava para estudar, essa aqui. Racionalizando e tentando entender o mundo. O mundo da cadeira humana. É, isso mesmo! Era o único mundo que eu iria conhecer, pois presa nas vergonhas e na insuficiência que me fizeram acreditar que tinha o meu corpo, e pensando que não havia espaço para trabalha-lo, pois era secundário, primordial era os estudos, a mente, como iria descobrir nosso mundo? O mundo dos humanos. Eu queria uma resposta... Gostaria de convidá-los a viver essa resposta. Sintam-se a vontade para continuarem sentados ou deitar-se para fechar os olhos e entender meu despertar.

Um dia em uma sala como essa, aos 20 e poucos anos, em uma nova velha experiência meu corpo pode gritar e acordar, mas para entender minha história, convido-os a vivê-la. Como essa menina cadeira descobriu seu corpo, percebeu-se humana, fitou as memórias revelas pelo seu corpo, no seu movimento existencial.

E eu que acreditava no exato, no pensar e calcular, comecei a sentir e a viver. Comecei a ser humana. Larguei o que me disseram ser o melhor (a exatidão de engenharia) e voltei às raízes da menina que subia nas árvores e gostava de abraçar, voltei a paixão pelo movimento (pela vida). E no recomeço dessa história, no fim desse primeiro passo vejo que o todo é maior do que a simples soma das partes que fiz a escolha certa. Voltar ao movimento onde o se perceber e o perceber o outro não pode passar despercebido.

Samara Maia Andrade






Algumas REFERÊNCIAS que embasam estas EXPERIÊNCIAS:

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.


PEREIRA, Rogério Santos. Multiletramentos, tecnologias digitais e os lugares do corpo na educação. 2014. 227 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2014. Disponível em http://www.bu.ufsc.br/teses/PEED1026-T.pdf. Acesso em: 15 jul. 2014. 

ZYLBERBERG, T. P. A Internet como uma possibilidade do Mundo da (In)formação sobre a Cultura Corporal In: BETTI, Mauro (Org) Educação Física e mídia: novos olhares, outras práticas. Hucitec, São Paulo, 2002, v.1, p. 45-70.

ZYLBERBERG, T. P. TECNOLOGIAS DIGITAIS E AVALIAÇÃO: algumas conexões. Motrivivência (UFS), v.34, p.61 - 71, 2010.

ZYLBERBERG, Tatiana Passos; BEZERRA, Fabrício Leomar Lima. JUVENTUDE E INTERNET: POSSIBILIDADES DE “CRIAR” EDUCAÇÃO FÍSICA. In: Atos de Pesquisa em Educação - Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Regional de Blumenau (PPGE/FURB) . 8, n.1, p. 182-208,jan/abr, 2013. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/atosdepesquisa

ZYLBERBERG, Tatiana Passos. BEZERRA, Fabrício Leomar Lima. AQUILO QUE A GENTE NEM SABIA QUE PODIA CRIAR – OU, ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA PARA E COM AS NOVAS TECNOLOGIAS. In: NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da; MOREIRA, Wagner Wey (ORGs). SER PROFESSOR(A) UNIVERSITÁRIO(A): O SENSÍVEL, O INTELIGÍVEL E A MOTRICIDADE. Editora UFRN, 2017.