Por
Klertianny Teixeira do Carmo, 2014
Acordei! (bocejo) Mas que horas são? Ainda
está escuro. O relógio marca três horas
da madrugada. Preciso dormir mas meu corpo não me deixa sossegar. Engraçado! Acordei
com uma sensação diferente, a única coisa que me lembro foi uma pequena parte
do sonho que tive antes de despertar, eu estava chorando e sorrindo enquanto fechava
um grande baú.
Geralmente, sonho todas as noites e gosto
de lembrar no dia seguinte, quer dizer, faço questão de lembrar (risos). Aprendi
com minha avó materna que para lembrar de um sonho é só não passar a mão na
cabeça assim que acordar, foi o que fiz, tinha certeza que esse sonho merecia
ser lembrado. No entanto, fiquei em dúvida se me levantava ou não, então, decidi
fechar meus olhos passei por volta de um minuto com os olhos fechados,
totalmente inerte na cama, sem parar de pensar. Olhei para o lado e para o
outro tentando achar explicação para o que eu sentia, várias perguntas começaram
a me inquietar: “Que baú era aquele?”,
“Porque estava chorando?”, “Porque eu ria ao mesmo tempo?”. Resolvi
então, fechar os olhos e tentar me conectar com aquele momento que me fizera
perder o sono.
Eis que fecho os olhos e me sinto sendo
transportada para um outro lugar.
Estou num lindo lugar! Um enorme
jardim, cheio de tulipas, orquídeas, gardênias, crisântemos, e muitas outras
plantas que não conhecia, mas que davam vida a um lugar cheio de diversidade.
Era verão. Conseguia ouvir o canto dos pássaros, grilos e cigarras. Estava tão
extasiada com as maravilhas da natureza que calei e fiquei contemplando tudo. O
riso abobalhado não saía de minha face, tudo aquilo era inexplicável.
Como um passe de mágica surgiu a minha
frente uma pedra, que tinha o formato de um pé, por curiosidade coloquei meu pé
em cima e ele se encaixou de tal maneira que achei que tinha sido feita sob
medida para mim. Logo após surgiu uma outra pedra e assim foram surgindo muitas
outras, formando um lindo e longo caminho.
Aos poucos, um lindo lago começou a se
formar por entre as pedras, quis olhar para ver o quanto era possível enxergar
através dele, eis que quando olhei para o lado direito me vi como eu era
naquele instante adulta, cabelos longos e grisalhos, pele envelhecida pelo
tempo, boca ressecada e olhos expressivos e curiosos, vestida com meu pijama
predileto. Então, resolvi olhar para o lado esquerdo, eis que quando olhei me vi
mudando de fisionomia passei por todas as fases de minha vida: infância,
adolescência e vida adulta. Meus olhos se encheram de lágrimas. Mesmo assim
resolvi ir em frente, queria chegar do outro lado, então corri. Ao mesmo tempo,
pensei sobre tudo que tinha acontecido até aquele momento, cheguei à conclusão
que estava sendo guiada, mas sem saber para onde. Não sabia o destino, mas fui.
Numa certa parte do caminho havia uma pedra diferente que tinha o desenho de dois
pés juntos diferentemente das outras, parecia indicar que o caminho tinha
chegado ao fim, no entanto, não havia nada a frente. Quando coloquei os dois
pés e senti seu encaixe perfeito, surgiu na minha frente um muro feito de
trepadeiras, como se fosse uma miragem no deserto. Havia uma porta e sua fechadura
não era convencional, não havia maçaneta e muito menos uma chave. Olhei ao meu
redor e não sabia como faria para abrir aquela porta. Resolvi sentar na pedra e
pensar um pouco, deixei a água molhar minhas pernas e olhei novamente para a
porta.
Que estranho! A fechadura desceu. O
que isso quer dizer?
Enquanto as perguntas me envolviam, uma
linda borboleta apareceu e pousou diante dos meus olhos, na ponta do meu nariz, isso foi tão rápido que não pude contemplá-la... algo mágico
havia acontecido naquele instante. Levantei sem tirar os olhos da porta e
percebi que a fechadura se movimentava conforme meu corpo, ou partes dele, quando
mudava de posição. Rapidamente escutei um eco que dizia: “Eu sabia que você conseguiria! ”.
Sem entender fiquei buscando identificar
de onde vinha aquela voz e, outros sons surgiram quase que ao mesmo tempo: “Prepara, vai”; “Você não pode mais fazer
as aulas de Educação Física”; “Manda a
bola. Aqui, aqui, tô aqui”; “Vai,
vai, vai (pá – o som de um corpo caindo no
chão após um tropeço). Caiu? Levante-se e
tente de novo.”; “(som da corda batendo no chão) Um, dois, três, quatros...
só vou parar quando chegar aos trezentos pulos”; “Vai errar, vai errar, vai
errar!”.
Os sons de repente cessaram e mais uma
vez me pus a refletir, o que isso tudo queria me dizer?
Por um instante, sorri e as lágrimas começaram
a cair.
Eureca, entendi! Já sei como fazer a
porta abrir.
Parei meu corpo e decidi que ia
movimentar somente um dedo. Fiz a fechadura se movimentar formando duas letras
o ‘E’ e o ‘F’, mas de uma maneira que elas se juntassem e formassem uma coisa
só, formei dois quadrados um em cima do outro, o ‘F’ foi desenhado de forma espelhada. Essa escolha não foi aleatória
foi a junção das pistas. O reflexo do meu corpo no lago tanto do lado direito
como no lado esquerdo me mostravam os diversos ‘eus’ até chegar no eu daquele
instante. O ‘E’ foi feito conforme meu reflexo no lado direito do lago, tal
qual o formato desta letra, tal qual eu era refletida, tal era a educação do
meu tempo – sem vida. O ‘F’ foi feito conforme meu reflexo no
lado esquerdo do lago, tal qual a mudança do meu corpo, tal qual a evolução e
as possibilidades que tinha vivenciado em cada fase de vida. Os sons indicavam os momentos marcantes da
Educação Física na minha trajetória e a síntese de tudo isso eram as letras E e F.
Com isso, a porta se abriu.
MÉMORIA
1 - PREPARADA? ENTÃO, VÁ.
Olhei para frente e vi um objeto num
canto, ele brilhava refletindo os raios solares. Caminhei até o objeto e o
peguei. Naquele instante, escutei o seguinte som: “Prepara, vai”. Mais uma vez a mágica volta a acontecer. Na parede a
minha frente surgiu uma espécie de projeção, um filme. Uma pequena piscina com seis
crianças. Três blocos de saída com três raias bem definidas e três crianças se
organizando para saltar. No lado oposto estavam as outras três crianças
juntamente com o professor de natação que disse: “Todos prontos? Prepara, vai. ” Aquilo era uma competição. Quando
escutei a última palavra ‘vai’ fechei os olhos e senti meu corpo sendo
envolvido por aquele instante. Eu estava na raia dois, podia sentir a contração
dos músculos no salto, o deslizar do corpo na água, o início das pernadas, a
primeira braçada, a abertura dos olhos debaixo d’água, a alternância dos braços
para respirar na hora certa, até mesmo a consciência de que precisava otimizar
o tempo para chegar mais rápido, decidi então, não respirar ir direto já que
tinha noção daquele espaço e faltava pouco para chegar ao outro lado. A imersão
foi total. Não conseguia ouvir mais nada, a não ser meu próprio desejo de
chegar logo ao outro lado. Enfim, cheguei. Senti o toque na borda da piscina e
rapidamente emergi buscando ter a certeza que havia chegado. (Tum,tum. Tum,
tum. Tum, tum. – coração acelerado) A última coisa que escutei foi mistura do
som do meu coração com as palavras do professor “Parabéns, você ficou em primeiro lugar, essa é a sua medalha. ”
Abri os olhos e olhei para a medalha que estava nas minhas mãos. Coloquei no
pescoço e sai pelas relvas do labirinto.
MEMÓRIAS
2 – AS MEDIDAS DA DESILUSÃO
Pensei em voltar para porta mas ela
não estava mais ali e nem aberta. Fui em busca de outros caminhos. Quando olhei
para todos os lados e vi vários caminhos não sabia o que fazer, segui o meu
sexto sentido e fui.
Numa outra parte deste grande lugar
que mais parecia ser um labirinto natural, uma coruja estava parada quando
sentiu minha presença bateu asas e voou. Fui até aquele lugar de onde ela se
retirara. Ali o sol não incidia como deveria, era mais escuro e tinha dois
objetos no chão que só podiam ser percebidos se eu chegasse mais perto. Os
objetos eram uma pequena balança, que mensurava peso e altura, e um par de
óculos com lentes embaçadas. Até ali nada fazia sentido, até que escutei o
seguinte som: “Você não pode mais fazer
aula de Educação Física”. Fechei os olhos e imediatamente, fui levada para
um corredor da escola onde fiz minha quarta série, eu estava numa fila
esperando para ser avaliada pelo professor de Educação Física, então, ele fala
“Qual seu nome? ”. Eu timidamente respondo: “Klertianny Teixeira do Carmo”. Ele
diz: “Suba aqui, preciso saber seu peso e altura. ” Depois, explicou-me o
movimento que queria que eu fizesse, eu tinha que ficar em pé e depois descer o
tronco para frente buscando pôr as minhas mãos nos meus pés para que ele
pudesse olhar para a curvatura da minha coluna. Ele pediu que levantasse um
pouco a blusa da farda para que pudesse ver minha coluna, levantei um pouco e
simplesmente ouço o professor dizendo para a coordenadora “Ela tem escoliose e não pode fazer Educação Física, dê só uma olhada”.
A coordenadora diz: “Deixe-me pôr os óculos. Realmente professor você está
correto. ” Depois que fui liberada segui no corredor até minha sala. Havia
ficado tão triste que não queria chegar logo em minha sala, parecia que tinham
arrancado um pedaço de mim. Cheguei na sala, sentei e baixei a cabeça na minha
mesa. Queria chorar mas não podia. Um amigo que sentiu o que estava sentindo
chegou até minha cadeira e falou “Eu
também não vou mais fazer Educação Física, não é só você”. A vontade de chorar e sair dali só
aumentava. Era o meu primeiro ano naquela escola que mais parecia uma gaiola, tinha
pouca iluminação, regras absurdas, enfim, naquele ano perdi o que mais amava, a
sensação de liberdade que as aulas de Educação Física me proporcionavam.
Uma semana após aquele dia fatídico
passei perto da quadra e vi tantas pessoas brincando e me perguntei “Será se tem que ser assim mesmo? ”. Automaticamente,
abri os olhos e voltei a obscuridade daquele ambiente que antes era fascinante
pelas boas lembranças e pela beleza natural, mas que naquele momento perdera todo
seu encanto, pois me fizera reviver um dia triste da Educação Física na minha
vida. Resolvi então, me levantar e sair de perto daquele lugar e daqueles
objetos, pois tinha certeza que muitas outras coisas boas tinham acontecido
após aquele dia. Limpei minhas lágrimas e automaticamente aquele lugar escuro
se abriu para os raios do sol, não era mais o mesmo, afinal, nem eu. Deixei os
objetos ali e segui meu caminho.
MEMÓRIAS
3 – O TAL DO ESPIRI-BOL
A minha a frente, numa outra parte
deste grande lugar avistei um chão diferente que não era formado por plantas
mas por areia de praia e um outro objeto por cima, uma bola de espiribol com
uma corda, corri para pegá-la e quando a toquei escutei o seguinte som: “Para brincar aqui tem que ter força para
bater na bola”. Era voz de um colega
que fez a quinta série comigo, Diego.
Fechei os olhos e vi o dia que ele me mostrou
como jogar. Era hora do intervalo, às 15:30h, não favorecia qualquer prática
pois o pátio não era coberto mas mesmo assim brincávamos muito. Era meu
primeiro ano estudando a tarde. O intervalo tinha alunos do ensino fundamental
II como alunos do ensino médio, uns com mais força que outros, uns com mais
“jeito” que os outros.
Diego estava sozinho próximo ao mastro
do espiribol, cheguei perto e outros garotos também, todos queríamos jogar.
Fiquei observando até que disse, “ a
próxima é minha”. Lembro-me bem da cara que Diego fez, quando eu disse
isso, era como se dissesse assim para mim: “Você
não tem força para jogar isso” mas acabou me explicou rapidamente como
fazia: “Para jogar aqui, tem que ter
força para bater na bola. Quando a gente bate, ela dá a volta nesse mastro e
quem está do outro lado não pode deixar ela fazer seu espiral completo ao redor
do mastro, pois se não perde a vez. ”
Na minha primeira tentativa senti
minha mão batendo totalmente errada na bola, não conseguia colocar meu corpo
numa posição favorável, bati várias vezes no pino que segurava a bola na corda,
até que consegui acertar, fiz a bola fazer um espiral rapidamente e, então, me
empolguei. Tentei bater conforme havia batido anteriormente, e tentei outras
maneiras também. Descobri outras formas de fazer ela ir mais alto. Chamei
outros colegas para brincar. Nesse dia ri muito, até da cara de surpresa de
Diego! (risos)
Abri os olhos e voltei ao meu jardim
labiríntico. Pensei sobre aquele lugar e como o professor de Educação Física
nunca tinha usado aquele jogo dentro de suas aulas de Educação Física.
Simplesmente suas aulas se reduziam a correr, fazer polichinelo, abdominais e
pronto, às vezes tínhamos um jogo de futsal.
Enfim, peguei a bola de espiribol e
sua corda juntamente com um punhado de areia e sai.
MEMÓRIAS
4 – OS ESPAÇOS QUE AFETAM
Andando por entre aquelas paredes
parecia estar envolvida numa grande trama verde que nunca teria fim, já que a
cada novo ambiente encontrado um novo objeto surgia. Resolvi ir pegando cada
um, não importando seu tamanho e nem mesmo a história que lhe envolvera em
minha vida. A cada toque uma frase ecoava e isso me deixava muito feliz.
Peguei a bola de futsal o sons que
ecoavam dela eram “Amanhã teremos nosso
primeiro jogo contra outro time que treino ” – meu professor de Educação
Física marcando nosso primeiro amistoso; “Manda
a bola. Aqui, aqui, tô aqui.” – a minha amiga Aline pedindo passe, esse foi
meu primeiro passe que resultou num gol; “Futsal
não é para meninas.” – essa foi a frase de meu pai, numa conversa com minha
mãe, dizendo o motivo pelo qual me tiraria do time de futsal na quinta-série.
Peguei um conjunto de fotos de quatro
quadras poliesportivas que tive o prazer de jogar e seus respectivos sons
enquanto as tocava:
Foto da quadra do Colégio Agapito dos
Santos - “Você joga em algum time? Pois
deveria, você joga muito bem.”; “Você deveria fazer um teste para entrar num
time.” – um conhecido chamado Welton me surpreendeu dizendo que jogava bem
e depois de dois anos rachando juntos me fez fazer um teste de seleção para
entrar num time de um clube.
Foto da quadra da Universidade
Estadual do Ceará - “Sai do meio, porque
você não vai conseguir pegar essa bola.”
– um grande amor que aconteceu após uma bolada de um saque viagem na
cabeça, o mundo girou mas ganhei a aposta, não deixando a bola cair no chão,
além de um lindo romance.
Foto da quadra do Colégio Evolutivo (sede
Regina Justa) – ouvi o som da minha respiração tão profunda, meus olhos estavam
fixos para a posição que queria sacar, já que tinha que acertar cinco saques em
cada. Esse era o momento em que só existia EU e mais ninguém; “Vai errar, vai errar, vai errar!” – a
primeira vez que ouvi uma torcida falando coisas ruins para me desestabilizar na
hora do saque.
Foto da quadra do Colégio Lourenço
Filho (sede central) – “Faça o seu máximo
em todas as atividades quando não conseguir mais fale.” – essa foi a frase
do meu treinador quando fui fazer meu primeiro teste para entrar numa seleção.
Algo que me recordo muito bem desta bateria de atividades foi a última já não
conseguia mais andar, minhas pernas não respondiam e eu tinha que dar tiros a
partir da linha dos três metros até o final da quadra de vôlei. Do outro lado,
havia uma ex-atleta jogando a bola quase rente ao seu pé para eu pegar. Nesse
momento, eu já estava quase sem ar, peguei umas quatro bolas até que na quinta
a dor tinha tomado conta de mim, eu parei tentando com total falta de ar e
disse “Eu não consigo mais”, nesse
instante a única certeza que tive era que tinha feito meu melhor. (Inspiração e
expiração lenta)
“Eu
sabia que você conseguiria! “ – meu primeiro jogo atuando como líbero titular,
já havia errado muito, os saques dos adversários estavam sendo em mim e eu só
errava, pedi para sair mas meu treinador não fez isso, acabei tomando coragem
para enfrentar a situação e revertemos o jogo. Quando a partida terminou, cai
no choro, e meu treinador veio bem próximo a mim e disse “Eu confiava em você
por isso não lhe tirei, bastava você confiar em você.” Essa foi uma lição que
levei para tudo em minha vida;
Sem palavras para descrever tantas
emoções. Os sons de cada esporte ainda ecoam dentro de mim, sempre que me
deparo com alguém praticando-os ou com esses lugares.
E assim, voltei a caminhar.
MEMÓRIAS
5 - POR UMA VIDA DE EXPERIÊNCIAS
Enquanto caminhava sentia que os
objetos que estava carregando eram muitos e cada um tinha um peso em minha
vida, não o peso do próprio objeto mas o peso de todas as emoções sentidas. Por
um instante, sinto uma forte ventania invadindo o labirinto e com ele muitas
folhas, diversas e rabiscadas. Era a minha letra escrita nesses papéis.
Mas como esses papéis vieram chegar
aqui?
A ventania parou, havia papel para
todo lado. Queria saber de onde eles vieram.
Dali! Um lugar iluminado por luzes
elétricas, havia uma cadeira e uma lousa branca, os papeis vieram da cadeira.
Quando cheguei mais perto e toquei na última folha em cima do braço da cadeira,
fechei meus olhos e fui levada para minha sala de aula. Diferentemente de todos
os outros objetos, nesse eu não tinha escutado nenhum som ecoando.
Estranho!
Andei pela sala esperando ouvir algum
som, mas nada. Então, resolvi olhar melhor para todos os lados. De repente,
surgiram alguns objetos. Uma bicicleta de cor azul e acessório amarelos; um par
de patins azuis; uma corda de plástico; um par de chinelas velha; uma garrafa
cheia de bilas; um pião; uma fita cassete do grupo “É o tchan”; um pacote de
sabão em pó e uma bandeira presa numa chinela.
Simplesmente eu começo a chorar, pois
minha infância estava diante dos meus olhos. A bicicleta que aprendi a andar; o
patins que me gerou muitas marcas rochas nos joelhos; a corda de elástico de
uma amiga da rua, lembro-me bem do dia que tinha dito que ia pular até chegar
os trezentos pulos (risos) e minha avó me dizia assim “Pular corda dá varizes
menina, pare de pular.” ; um par de chinelas velha que usava para brincar com
bicicletas que não tinham freio, elas serviam como freios; a garrafa de bilas
era do meu irmão, gostava de jogar mas ele poucas vezes deixava, às vezes
quando ele saia eu jogava sem ele saber; o pião, foi algo que tentei aprender e
não gostei muito pois quase bateu na cabeça de um menino na rua; a fita cassete
do grupo “É o Tchan” era uma música que sempre dançávamos em casa e quando se
juntava as meninas da família na casa da vó; o pacote de sabão era usado para
lavar o banheiro da casa da minha avó, como era grande a gente jogava muito
sabão no chão e ficava escorregando de uma lado para o outro, até a vó perceber
e vir brigar com a gente; a bandeira presa na chinela, era um jogo que tínhamos
no nosso bairro, todos se juntavam para brincar até os adultos, fazíamos dois
times e quem pegasse sua bandeira no lado adversário e levasse para o seu lado
vencia. Como não tínhamos bandeira usávamos sempre a chinela ou qualquer coisa
que desse. Isso era muito divertido!
Continuei rindo e olhando para aquela
sala que não parecia ter fim. Por entre as inúmeras cadeiras encontrei dois
cocares indígenas; um vestido azul parecido com de uma princesa da Disney cheio
de pedras brilhantes; um arco e flecha pequeno; um símbolo escrito “Grupo Oré
Anacã”, ao mesmo tempo os sons de aplausos, agogôs e maracás ecoavam.
Esses objetos me lembravam o tempo que
passei no grupo de dança popular na universidade, visitei lugares, trabalhei
numa comunidade indígena, aprendi e ensinei dança popular por muito tempo.
Sempre gostei de ouvir os aplausos, o som marcante dos maracás e do agogô pois
sempre me davam uma outra energia, parecia que me conectava com um outro “eu”
que nem eu mesma conhecia.
Cheguei ao final da sala, e encontro
uma sacola grande e colorida tal qual era a sacola de figurinos do nosso grupo,
ela estava vazia parecia me indicar que era para levá-la comigo e, foi o que
fiz, recolhi tudo e quando cheguei na porta dei uma última olhada naquela sala,
ela era a sala sete do bloco didático do Instituto de Educação Física e
Esportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), essa tinha sido a sala que
havia acontecido a recepção dos alunos que entraram naquele período 2010/1,
jamais poderia esquecer daquele dia.
Abri meus olhos e voltei para meu
labirinto. Agora com mais lembranças.
Resolvi refazer todo o percurso que
havia feito, tinha que voltar e pegar algo que deixei no meio do caminho. Fui,
guiada pela emoção de tudo que vivera naquele momento.
Enfim, cheguei. Voltei até a balança e
o par de óculos. Não poderia deixá-los para trás eles faziam parte de mim, mas
com um novo significado.
Peguei o par de óculos e coloquei nas
minhas duas mãos e dei um sopro. E o meu pedido era que eles se desembaçassem,
e foi o que aconteceu. Quem usar essa balança vai ter que olhar pelos olhos
desse novo par de óculos. Fiz meu primeiro teste, a balança ganhou uma nova
cor, ficou menor e mais educativa. Quem subir nela além de ser alertado do
peso, será avaliado a altura e receberá uma frase de motivação para viver uma
vida saudável.
Pronto, agora é só colocá-la dentro da
sacola e sair em busca de algo que sinto estar próximo.
Caminhei bastante, mas encontrei. O
meu baú. Agora é hora de colocar todas essas coisas dentro, uma por uma.
Foi o que fiz, quando ia colocar a
última coisa parei e disse:
“Sou a junção de um caminho longo e
cheio de saídas e entradas, mas sou mais, tudo aquilo que com um simples sopro
consegui mudar, principalmente, o olhar. Muitas vezes quis olhar para esse
caminho como algo desmembrado, aos moldes cartesianos mas fui apresentada aos
moldes espinosianos e tive o prazer de saber que os afetos tanto me impulsionaram
a agir como me fizeram cessar. Quando foram negativos me tornei apática, sem
ação, me deixei levar, mas quando foram positivos quando geraram alegria eu
construí, eu não temi, eu me encorajei, eu acreditei que poderia voar e ir mais
alto cada vez mais”.
Eis que coloco o último objeto e fecho
a tampa do baú, sem trancá-la para que eu possa retornar a hora que quiser.
Como um passe de mágica a linda
borboleta que pousara no meu nariz horas antes, agora surgi e pousa em cima da
tampa do baú, ao ponto de se fundir ao mesmo formando sua fechadura.