[POESIA] Feixe de Luz



Presa no quarto, um feixe de luz toma o local. Os olhos se espantam, como se eles estivessem abrindo pela primeira vez. A luz invade esse quarto, antes escuro, visto como único e verdadeiro mundo. Da janela pode-se ver uma paisagem. Os olhos apreciam como se nunca tivessem visto algo parecido.

Caverna da qual escondei deles tudo o que tinha ao seu redor. Um mundo de possibilidades e conhecimentos, mundo que passava por fora daquelas portas, janelas e paredes.

Estava presa! Será que um dia vou conhecer o que tem além do que vejo? Ver a realidade?
Talvez quando minha alma libertar-se desse meu corpo. Corpo que destorce tudo que penso conhecer pelos sentidos.

Mesmo corpo que me afasta de Deus. Corpo culpa, cheio de vontades e desejos (desejos e vontades?( Fala baixo isso é errado, manifesto do diabo). O prazer, o sexo que o envolvem(Sexo? Prazer? Psiu... fala baixo isso é errado alquimia do diabo). desejos reprimidos. Vontades suspensas. Prazeres abafados.

O corpo deve ser levado às ruinas, aos seus limites para que a alma fosse elevada.


Corpo, meu corpo... Coitado, se é diferente é queimado, condenado.

Educação pela religião aprendeu a se reprimir, a sofrer, a temer, a calar-se a não questionar, aceitar tudo. Tudo é porque é.

Corpo esquecido debilitado, adoentado, marginalizado, sujo. Por que desse mal cuidado? Vou calar, não posso duvidar. Preciso aceitar, é vontade de Deus ou castigo de pecados.

Veio a modernidade e duvidou, duvidou mais ainda. Resolveu cuidar de meu corpo. Meu corpo finalmente será visto. Ele foi lembrado, Divido, aberto, dissecado, costurado. De uma ponta a outra foi revisado.

Ele foi visto! É lelé foi visto... Visto como objeto, apenas algo a ser estudado, parte matéria.

A razão como explicação. Penso logo existo assim diziam.

Emoção? Sentimentos? Para de bobagem! Engole o choro! Use a razão!

Mais uma vez meus sentimentos foram pisados, destruídos, aniquilados, guardados.

Use a razão, razão, apenas a razão.

Você não pode ir além disso!

Meu corpo foi dito como extensão da minha alma, acreditei.

Meu corpo foi considerado profano, acreditei.

Meu corpo foi visto como máquina, matéria e apenas matéria. O que mais valia era a mente, acreditei.

Moldei-me me prendi de acordo com o que ouvia. Confiei em uma voz que ecoava em mim o “eu não posso, eu não consigo”.

Essas cordas me impediram de tentar dançar, de tentar andar, de tentar...

Eu só precisava acreditar, compreender que não tenho um corpo e sim que sou um corpo. E ele é importante, pois é nele que me faço existente.

Ao pensar assim essas cordas já não tem tanto pode sobre mim. Comecei a andar e tentar me libertar de tudo que me sufocava e me calava.

Eu posso, sinto que sim. Em vez de apenas olhar um caminho resolve por o pé nele. E se eu errar? Que bom que posso errar, assim descobrirei mais uma forma de como não fazer. Dessa vez o medo não vai me impedir.

Cordas que antes tinham um poder total sobre mim, agora estão nas minhas mãos sem amarras ou nós. Não permito mais seus nós em mim. Quero soltá-las. Acabou!

Descobri, entendi.

Faço parte do mundo, corpo-no-mundo-. Sinto-me corpo, corpo-vivido.

Largar tudo isso me possibilitou ver o que jamais viria se eu tivesse aceitado continuar presa à paradigmas, a não me permitir.

Esse corpo que faz arte, que também faz parte dos encantos do mundo.

Refletir assim me permitiu ir além das paisagens de janelas, em vez de apenas vê-las, vive-las.

Ivina Maria de Sousa Paes, 2016